domingo, 2 de novembro de 2008

M. Bovary

"O dia seguinte foi, para Emma, uma jornada fúnebre. Tudo lhe parecia envolto numa atmosfera negra que flutuava confusamente no exterior das coisas; a tristeza aprofundava-se em sua alma com uivos suaves, como faz o vento do inverno nos castelos abandonados. Era aquela recordação que se tem daquilo que não volta, o desânimo que toma conta da gente depois dos fatos consumados, a dor, enfim, causada pela interrupção de todo o movimento habitual, pela cessação brusca de uma vibração prolongada."
_Em Madame Bovary, de Flaubert_

Tô lendo Madame Bovary.

Comecei imaginando que leria sobre uma mulher que não recebia, do marido, a atenção necessária, o carinho que merecia, e, por querer mais do amor, foi à luta, mesmo com todos os preconceitos que na tal época eram ainda maiores em relação a mulheres livres, principalmente se elas fossem casadas.

E não é que ou eu estou me descobrindo a pessoa mais careta do mundo ou uma muito equivocada? Primeiro, impliquei com a Emma (a própria M. Bovary) por conta da sua impaciência sem sentido com o marido Charles, que jurava estar amando aquela mulher da melhor maneira possível. Depois a implicância passou, mas nunca deixei de olhar pro marido que, na sua ignorância, inapetência – ou seja lá que nome tenha essa falta de eficácia que o amor dele apresente – acabou por deixar a moça tão infeliz.

O homem precisou passar por umas poucas e boas para virar um médico, que por mais mediano que fosse, carregava um status importante pra ele e pra família dele. Casou com a filha de um rico paciente, depois de ficar viúvo de uma esposa velha, feia, doente, chata, rude e nada carinhosa. Justifica? Não, não justifica, mas contextualiza uma falta de qualquer que tenha sido a coisa que faltava dele para a Emma.


E ele sofre com a insatisfação dela, ainda que ele não tenha chegado (ainda, pelo menos, até a parte que eu cheguei) a perceber que todos aqueles sintomas que ele achava ser doença ou resultado das leituras da moça se resumiria numa infelicidade dela, relativa ao que teria se tornado a sua vida de casada, completamente diferente do que lia nos romances, via nas pinturas e sonhava na adolescência.

Ela se apaixona por outro (s), sofre com o que não aconteceu com ele (s), surta, entra numa, fica chata, muda, e o que mais ela conseguia fazer para reagir àquele tédio que tinha se tornado a sua vida.

Amar é difícil, comunicar também, e eu que vivo, amo e me comunico no século XXI, não vejo maior facilidade não, gente.


Na verdade, achei que fosse ler um livro sobre uma mulher super maltratada pelo marido, que sofresse por conta de descasos e tals. E me deparei com um cara tão carente quanto, sabe?


Eu tenho pensado muito nisso e tem batido essa coisa de “você não sabe amar” e fica parecendo que tem sempre uma culpa, quando na verdade, muitas vezes, o outro pode nem saber o que o primeiro outro ta sentindo e tomar um comportamento ou reação como uma coisa completamente diferente do que é.


E me dá a impressão de que se essas coisas fossem levadas em conta – no sentido de levantarmos a hipótese de que também podemos não estar dando para o outro o que achamos que estamos –, talvez os amores e as comunicações fossem um pouco melhor sucedidas, mas quando penso que isso pode ser uma mega utopia, confesso que dá medo. E desânimo.


Não julgo a moça Bovary nem o moço de mesmo sobrenome; só morro de pena quando vejo que um fica diagnosticando as atitudes do outro enquanto cada um ta sofrendo tão sozinho.

Um comentário:

Simone Couto disse...

Amo Madame Bovary. Ela é um dos personagens que gostaria de ter interpretado. A leio como vítima do amor, sentimento mais forte que mais forte de todos os homens. O marido tb, coisa é vítima dele. Até Bertha. Ninguém escapa ali. Ninguém. O pior é saber que a nossa volta há milhões de Bovaries, que se pudessem, exterminariam a dor de viver e de amar com poções mágicas.Até que ponto a morte pode ser a libertação? Para uns, ela é.