quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Onde desliga?

O professor de spinning me entrega meu celular piscando: alguém me liga e não aparece nenhum nome no visor; apenas um número desconhecido. Faço que não vou atender, mas atendo dizendo logo que não posso falar e era a esposa do meu terapeuta avisando que ele não poderá me atender amanhã e que quando puder me liga e eu desligo o telefone quase saindo da bicicleta e volto para a aula morrendo de vergonha. Quem, meu deus, quem atende celular na aula de spinning e vai logo falando que não pode falar, ofegante, música alta tocando, por que atendeu então e não esperou o recado na caixa postal? Ossos do ofício, percalços da ansiedade. Ou muda, ou acata, mulher! Chega de ficar se maldizendo e reclamando. Atendeu, pronto, já foi. Acelera. Bota carga. Terceira posição. Recupera, bebe uma água. E o sonho que eu tive na noite de domingo e estava esperando para contar? Quem vai ouvir que eu sonhei que não conseguia levantar da cama no dia do meu aniversário para ir trabalhar porque estava em prantos por envelhecer? E que eu tinha aula de educação física no trabalho e o professor era o Bernardinho do voley, que não me dispensava da aula porque eu estava em crise e dizia que 'Hoje é o dia que você mais precisa treinar. Se tivesse que escalar um time hoje, você estaria nele, porque não posso deixar que você volte para casa."? Preciso dizer que nunca fui tão blasé em relação a um aniversário e já tinha achado isso ano passado, e que achei meu primeiro tufo de cabelos brancos e que, cara... o Bernardinho era o meu treinador... o meu pai me levava até o trabalho e eu não parava de chorar um segundo, tava de pijama rosa e eu nem tenho pijama rosa... o Bernardinho... É a segunda vez que o cara desmarca a sessão. Eu sei que ando muito chata, mas a ponto de espantar o terapeuta? No dia do pagamento? Não... eu dei azar, claro. Ele tava completamente afônico na sessão passada, até pediu pra mulher me ligar... vai ver é uma amigdalite muito forte, ele pode estar de cama, moribundo, pode até morrer. Puta merda. Ele não pode morrer, não agora, assim, no início do tratamento. É só uma dor de garganta forte, está sem voz, com febre. Porque esses freudianos não atendem por msn em casos de problemas de garganta ou doenças infectocontagiosas? Muito tradicionais, esses terapeutas... E se ele estiver com uma doença tipo difteria? E se ele morrer? Que medo dele morrer agora, mas se for morrer, também, que seja agora, assim, no início, não tem muito vínculo... porra, Carol, que mente doentia a sua, relaxa, o cara tá mal, você deu um azarzinho, coisas que acontecem... só comigo. Quem mais teria um terapeuta mudo no auge do inferno astral com retorno de Saturno e tufos de cabelos brancos e sonhos com o Bernardinho? Acelera. Bota carga. Terceira posição. Recupera, bebe uma água. Alonga. Belíssima aula, pessoal, até sexta.

"O tempo se passava enquanto eu dormia..."

Não sou uma grande alfabetizadora de adultos, não sou mãe de 4 filhos (Catarina, Sophia, Bruno e mais um que eu não cheguei a decidir), não casei aos 25, não comprei meu carro nem fui morar sozinha.

Não parei de comer carne nem troquei os automóveis pela bicicleta. Não conheci Bali, Jamaica, nem Machu Pichu, adiei o intercâmbio. Não terminei a faculdade de Letras, não cheguei ao peso ideal, não descolori o cabelo todo. Não abandonei a depilação, desisti da aula de canto, não cheguei nem perto de mudar o mundo. Nunca trabalhei na Redley nem em nenhuma loja de shopping. Nunca fiz graninha extra em dezembro nem fiz um bazar das minhas roupas. Não li Ulisses, A Divina Comédia, e amarelei diante de Paixão Segundo GH. Não consegui dizer "eu te amo", não acreditei quando ouvi.

O Teco Padaratz não se apaixonou por mim. O Teco Padaratz nunca me viu na vida. Nem o Marcio Garcia. A Cássia Eller chegou a me ver, mas não gamou. O Eduardo Moscovis nem percebeu que estávamos na mesma calçada.

Não fiz aquela dieta até o fim e perdi Hulk no cinema, mas não alugarei o dvd. Não experimentei comida tailandesa e não enjoei de sashimi. Não virei budista, não aprendi a ave-maria, nem vi a luz. Nunca tatuei uma coruja, nem o relógio derretido de Dali. Não larguei o sorine, não juntei meus textos para levar a uma editora, não decidi o que vou fazer de pós, não conheci São Paulo. Não experimentei cocaína, não tentei pegar onda, nunca fiquei acordada até o fim de uma rave, nunca tomei redbull com uísque, não perdi o medo de mendigo.

Não consegui chegar acordada até o fim de Os Suspeitos, não fiz plástica, nunca andei de moto, nem na garupa. Não troquei o Barrozo pelo Bulgarelli, não fiz mochilão por aí, nem viajei de carona.

Deve ter mais coisa.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Enquanto o tempo acelera e pede pressa...

Às vezes, por mais quente que esteja o dia e o mergulho no mar gelado seja necessário, é bom entrar aos poucos, deixar que o pé conheça o conforto térmico antes de abaixar e molhar a barriga.

Aproveitar cada parte do corpo molhando, refrescando, enquanto se vislumbra a sensação de alívio e conforto da cabeça molhada, do olho fechado se abrindo, das mil gotas correndo corpo abaixo.

"...só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas..." _ E. E. Cummings

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Ruouduouviáuria?

Ela estava no ponto de ônibus, nitidamente gringa: o cabelo era tão laranja quanto a cara era rosa. Tinha piercing no nariz e olhos muito verdes - realçados pelo laranja do cabelo e o rosa da cara. Tinha, no pescoço, um lenço azul com fios prateados e uma mochila voltada para frente. Nas costas, um mochilão de viagem, com travesseirinho e colchonete de camping presos pelas cordas da mochila. Ia viajar e eu pensei em oferecer ajuda, perguntar qual ônibus ela estava esperando, se ia para a rodoviária. E se não falasse inglês nem espanhol, mas uma outra língua tipo francês ou alemão? Enquanto estava no vou não vou, treinando a oferta de ajuda e informação em inglês, silenciosamente, alguns ônibus pararam para ela, que perguntava alguma coisa e a resposta era sempre não.

-Ruouduouviáuria?
-Não senhora.
(Essa sou eu, imaginando o microdiálogo da gringa com o motô)

Acho que vou perguntar se ela quer ir para a rodoviária e digo logo qual é o ônibus que passa lá. Vai que o motorista não entende e diz que sim e a menina vai parar na Central?

Mas ela não precisava de ajuda nenhuma. Chegou o ônibus cujo letreiro frontal indicava seu destino: RODOVIARIA. Ela saiu correndo - vergonha nossa para os turistas, essa coisa de ônibus parar fora do ponto, lá atrás e você precisar correr para não perdê-lo -, parou na frente do ônibus, falou algo...

-Ruouduouviáuria?
(Eu de novo.)

... e entrou.

Continuei no mesmo lugar, esperando o meu ônibus vermelhinho, que me traria para o trabalho.

No lugar da dúvida da oferta de ajuda à moça, ficou uma vontade de chorar, um aperto-nó-inércia-inveja-dordeestômago-gastura... vontade de ir para a ruouduouviáuria cheia de mochila pendurada; de não precisar de ajuda.

O 157 chegou e eu entrei nele, sem perguntar nada, apenas dando bom dia, com a minha única bolsa pendurada no ombro direito.