quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Castigos

"Palavrão! Palavrão", gritava a criança feliz da vida, pois a mãe não conseguia proibi-la de pensar palavras horríveis. E a mãe, danada da vida, queria que 'palavrão' fosse um palavrão, para poder colocar a filha de castigo.

Foi aí que ela colocou a criança sentada de frente para a parede: era mãe e não precisava dar explicações a uma fedelha.

A fedelha, olhando para o branco da parede, só conseguia pensar, cada vez mais forte: "Palavrão! Palavrão! Palavrão beeeeem cabeludo!!!!"

E a mãe não entendia porque a filha sorria tanto, se estava de castigo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ado. a-ado. cada um no seu quadrado.

Ele chegou e a casa estava vazia. A mulher não estava nua, pronta para recebê-lo. A cama estava feita, sem nenhuma ruga na colcha: sinal de que não haviam respirado por ali esses três dias que esteve fora. Apoiou definitivamente a mala no chão e ainda pensou duas vezes se tiraria de dentro dela as roupas que iriam para a máquina de lavar ou se deixaria para depois, tomando logo o banho que o calor da cidade tornava urgente.

Com um pé arrastando o calcanhar do outro lado, tirou cada tênis e os dedos suados encolheram-se, experimentando a liberdade depois das 3 horas e meia de viagem. Estava tudo do jeito que deixara. Até o livro na diagonal, posição escolhida intencionalmente, para ter certeza, na chegada, se a casa tivera ou não recebido alguma visita.

Ela não foi; a recusa se fez concreta. A mulher disse não e agora ele estava sem abraço. Sabia que o desejo dela era o de ter ido junto, participado da viagem, mas isso ele não poderia oferecer: esse convívio não cabia no gostar que ele tinha reservado para ela. E cada um gostava sozinho, um do outro, ainda que ao mesmo tempo, juntos. Ele percebia o quanto aquela mulher olhava dentro de seus olhos e pedia com o corpo para que ele a amasse. Ele entendia, mas não podia. Se pudesse, não seria mais ele, pois já seria alguém que sentia amor por ela. E ela, por sua vez, deixaria de ser aquela que tinha, na ausência desse amor, o maior brilho de esperança no olhar. Eles precisavam continuar assim para manter a essência que fazia dessa história o que ela realmente era, com seus limites, auges, intervalos.

Ela precisava fugir de casa pois precisava de colo e temia não bastar o cheiro e as cores das paredes. Temia querer ficar e não sair, temia precisar de mais e sabia que essa necessidade não tardaria em aparecer. Suou as têmporas para negar a oferta e agradecer. Dormir no quarto vazio e ouvir os barulhos de fora sem que o ombro sardento a acolhesse parecia sem sentido e tentador.

Deitada na grama, com os olhos apontando para o céu, tentou contar nos dedos os momentos em que quisera dizer algo para alguém e optou por calar-se. Descobriu que eles somavam mais de vinte, seria mais conveniente contar nas gramas, que eram incontáveis. Suspirou alto. Voltou para casa pedalando sob o sol e encontrou o quarto vazio, também. Desejou que ele estivesse pensando nela e pensou mais forte ainda, como que empurrando os átomos do pensamento para o espaço em que ele estivesse ocupando naquele momento, materializando o sorriso que gostaria de, então, oferecê-lo.

Tomaram banho e dormiram ao mesmo tempo, sem um saber do outro. Estavam muito cansados.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sabe quando você acorda com uma música na cabeça?

Pais E Filhos
Renato Russo
Composição: (letra: Renato Russo - Música: Dado Villa-lobos/renato Russo/marcelo Bonfá)

Estatuas e cofres. E paredes pintadas.
Ninguém sabe o que aconteceu.
Ela se jogou da janela do quinto andar.
Nada é fácil de entender.
Dorme agora.
É só o vento lá fora.
Quero colo. Vou fugir de casa.
Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo. Tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três.
Meu filho vai ter nome de santo.
Quero o nome mais bonito.
É preciso amar as pessoas como se
Não houvesse amanhã.
Porque se você parar para pensar,
Na verdade não há.
Me diz porque que o céu é azul.
Explica a grande fúria do mundo.
São meus filhos que tomam conta de mim.
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar.
Eu moro na rua, não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar.
Já morei em tanta casa que nem me lembro mais.
Eu moro com os meus pais.
É preciso amar as pessoas como se
Não houvesse amanhã.
Porque se você parar para pensar,
Na verdade não há.
Sou uma gota d'agua
Sou um grão de areia.
Você me diz que seus pais não lhe entendem.
Mas você não entende seus pais.
Você culpa seus pais por tudo.
E isso é absurdo.
São crianças como você
O que você vai ser, quando você crescer?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Novo Mantra

Envelhecer
Arnaldo Antunes / Ortinho / Marcelo Jeneci

a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer
a barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer
os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer
os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer

não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer
eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer

eu quero que o tapete voe
no meio da sala de estar
eu quero que a panela de pressão pressione
e que a pia comece a pingar

eu quero que a sirene soe
e me faça levantar do sofá
eu quero por Rita Pavone
no ringtone do meu celular

eu quero estar no meio do ciclone
pra poder aproveitar
e quando eu esquecer meu próprio nome
que me chamem de velho gagá

pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé
com os ralos fios de cabelo sobre a testa que não pára de crescer
não sei porque essa gente vira a cara pro presente e esquece de aprender
que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr

não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer
eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer

eu quero que o tapete voe…


© Rosa Celeste Editora (Universal) / Setembro Ed. (DC.Consultoria)

BR-RC7-09-00007

Ficha Técnica da Faixa
Arnaldo Antunes: Voz
Edgard Scandurra: Guitarra, violão de 12 cordas e vocais
Betão Aguiar: Baixo
Chico Salém: Violão, guitarra e vocal
Marcelo Jeneci: Órgão, piano, bateria eletrônica, palmas e vocais
Curumin: Bateria, percussão e vocais