sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Das hipérboles da ausência

A gente contava piada para distrair os momentos desconfortáveis. E hoje, pensando na quantidade de piadas que trocamos, posso considerar que não tenhamos vivido momentos tão bons como parece, quando a saudade aperta. Mas essa é uma das habilidades da morte: a de transformar sensações boas em ruins e ruins, em boas para que se tornem grandes perdas e assim termos mais um motivo para sofrer.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A parábola do fio dental

Sujeira procura espaço. Se tiver espaço no dente, a sujeira gruda. Tem dente que tem buraco, covinhas mais fundas, tem dente separado por falha de obturação ou por alguma outra questão que não foi consertada com aparelho. Sujeira entra, acha o espaço e fica. Mora no buraco a mais do dente, nos espaços vazios.

Tem alívio maior do que passar um fio dental entre os dentes sujos e sentir saindo aquela massinha que bloqueava o ar de passar quando a gente sopra com a língua vedando a parte de baixo do dente?

Tem dente muito atrás que, dependendo da boca, torna difícil a chegada da mão com as pontas do fio enroladinhas no dedo. Mas aí dá pra ajudar com o palito, com a língua, com a escova de dente. O fio fica só pro arremate da limpeza.

Não dá pra tapar todos os buracos da boca, mas dá para mantê-los limpos, varrendo as pequenas sujeiras - jamais subestime o tamanho de um intruso, pois as cáries não precisam ser grandes para doer -, não deixando acumular nunca a dor.

Tirar sujeira com motorzinho dói e é bem mais caro.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pressão Social

Dezembro natal ano novo carnaval. Depilação academia independência namorado casamento maternidade netos. Salário bom realização pessoal vida sexual ativa. Cabeça boa bem resolvida analisada bom caráter políticas corretas festas de aniversário. Raiz pintada sobrancelha feita unha sem cutícula. Peito em pé foto da viagem souvenir. Educação simpatia. Despertadores celulares computadores câmeras fotográficas. Roupa nova roupa branca calcinha rosa. Saúde estética trabalho. Produtividade pró atividade. Sanidade calma alegria felicidade.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Super fucking bonder

Ontem, abri uma super bonder que estava na caixa há bastante tempo e colei, primeiro, um cinzeiro que a Monique me trouxe de Portugal, e que eu tinha deixado cair no chão. Quebrou ao meio, mas eu guardei os dois pedaços e ainda um pequeno, quase farelo, pra não ficar falha quando eu colasse. Depois, colei a assadeira de louça que quebrou ontem na mão da Cláudia. Guardei, era a única. Colei com super bonder. Lembrei do espelho da caixinha do pó compacto que tava solto. Aproveitei que tava com a super bonder na mão. Colei pedaços guardados de coisas quebradas.

Coloquei o cinzeirinho de volta ao lado do computador e notei que por mais bonitão que ele estivesse colado, ficou uma linha no meio, uma rachadura que guarda nela aquela queda há tempos atrás. O caquinho também não ficou tão encaixado. Na hora de colar, deixei ele por último e ficou meio altinho, sabe? Aí não deu para desfazer. Era super bonder, lembra? Olhei com um pouco de pena pelo cinzeiro não voltar a ser intacto como antes, mas voltei os olhos pra tela do computador, ao trabalho.

Na hora do almoço, a assadeira não foi para o forno. Não existe na caixa da super bonder um texto sobre a possibilidade ou não de levar ao forno um objeto colado. Liguei pra duas ou três pessoas e ninguém sabia me responder, mas o conselho foi único: cuidado, melhor não, deve trincar, a louça vai estalar. Não quis arriscar meu peixe do almoço, quem sabe amanhã eu tente colocá-la no forno, com um pouco de água, para o teste. Ou se compro outra e deixo essa antiga para saladas. Lamentei um pouco também, fiz o peixe no prato – não tem o mesmo charme da assadeira, mas fica gostoso, dá para usar. As coisas não voltam ao estado intacto, quando se quebram e se colam. O cinzeiro em cima da mesa não me deixava esquecer.

O espelho grudou bem, na caixinha do pó compacto. Maquiagem, né. Disfarça tudo.

sábado, 5 de novembro de 2011

viajar

Nunca regi, sempre fui em direção a uma porta, por um caminho desconhecido, um nada. Eu tinha um plano errado e um céu cinza. Só.

Cenas do próximo capítulo. Não tem, não teve.

Da vida, não se espera uma imagem pronta. Os futuros não existem ainda, não há mão forte que dirija esse volante. Sem água, sem banho, sem comida ou sem privada. Assim estamos amanhã, qualquer um. Estou tão morta, amanhã, como está qualquer personagem histórico. Das imprevisibilidades da vida e de seus pontos de vista transformadores de essência e moldadores do real. Pontos de vida. Vértices de virada. Todo dia muda a cena, no mesmo ritmo ditado na introdução. Também estamos tão ricos como o tio Patinhas.

O futuro está tão vazio quanto eu e o mundo não se mexe por nenhuma angústia. Ele amanhece, entardece, chega noite, vira a lua. E nada disso é por nós. Todo esse universo está disponível como um palco para uma peça de teatro.

Arremessados a distância, cada um dos 7 bilhões precisa sobreviver e criar algum modus operandi para ocupar os espaços em branco do dia seguinte.

QUando aqueles estudos todos não servem de porra nenhuma e as perspectivas que um dia imaginamos ter parecem ter sido escritas por alguma criança em fase de alfabetização. Você não se reconhece mais, quando os elementos que você juntou não resultaram na receita anunciada no livro da família. E não parece, tampouco, ter dado errado. Os fatos, normalmente, não enganam: eles aparecem pelados diante de nós, ainda que negando fogo. E qualquer máscara não sustenta o caos até o fim: nenhuma máscara, nenhum caos. Isso que saiu do forno eu não conheço. Mas preciso almoçar e como os pedaços de cada fatia servida.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Bom dia

quando
(
e se
)
a
cor
dar
ao lado,

sorri.

caso contrário,

a
dor
me

ser.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

bosta

azul
o amor monocromático
nos olhos
de quem nada via e
desaparecia.
nus olhos.

tão visível quanto
o que sentia
era o chão que fazia terremotos
quando saía
a me deixar

sozinha

a olhos nus

criança maldita do
lado oco
lá dentro
a reclamar

por liberdade
de berço.

pelo não que
não se entende

por um não
de abandono.

Papai à roça
Mamãe a trabalhar.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

das necessidades

preciso voltar aos
poemas

de qual
quer
jeito.

de toda
forma, eles
dizem
mal
mas dizem.
(mais)

a disposição
sou eu
quem inventa
in
vento.
(sou ar em
movimento)

arrumo em letras
o que já não tem
compartimento

com par ti mento.

o que não sei do que
se trata.

tratamento.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

in verso

Enquanto a sua música
me toca
o mundo que me fugiu dos pés
paralisa.
O meu ser que fica tão claro, no abraço
me tira
me trai
confunde.

e os dias seguem correndo como antes, como se nada
tivesse
acontecido.
e nada
aconteceu

as estações continuam
as mesmas.

Enquanto isso eu calo
e procuro
dentro de armários, gavetas e arquivos
onde foi
que eu me deixei.

em qual dos abraços em
qual daqueles dias
onde foi que eu fui embora
com você
sem você
e fiquei
carcaça.

sem graça.

"it's not funny, it's not love. it hurts"

o silêncio do choro abafado
em frente a você
não abafa o revelado.
re
velado
velado
novamente
denovo
emaisumavez.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pablo Neruda

"Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejas."

Nunca tinha ouvido falar no que acontece com as cerejas na primavera, mas Pablo me fez acreditar que é algo incrível.

E eu quero ser cereja na primavera e a primavera pode ser aqui na esquina.

domingo, 17 de julho de 2011

agrado

não trabalhamos.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

do subjuntivo das coisas

Eu acompanharia os teus passos se você topasse dar as mãos.
Tomaríamos os espaços públicos, democraticamente.

Do topo.
no frio.

a
garr
armo-
ia-
nus.

E os perros mirando o mais puro dos estrangeirismos.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Pé colado.

Não dava pra perder a chance de voltar pisando devagar no caminho que nunca foi tão longo do metrô até a minha casa. Tentei parar de reclamar e olhar pro céu recém chovido. Eu estava na rua e com o pé no chão. Os pés no chão, um depois do outro. A muleta que, quem diria, mereceu festejo. Lembrei o quanto eu queria a rua nos dias de clausura. Parei um pouco. Respirei. Talvez não tenha sido assim tão romântico, mas eu lembro do quão colorido o catavento da loja de flores ficou, no contraste com o céu opaco de dia frio carioca. Um pé, depois o outro. A vontade de dar boa tarde a todos que passavam, o desejo de mais um quarteirão, um festejo paciente pela evolução da pisada e as crianças que iam - ou voltavam? - da escola com guarda-chuvas e, inspirados pelo meu terceiro apoio, começavam a marchar com suas novas bengalas. O mais velho - ou apenas o mais esperto - ia na frente, guiando a trupe com palavras de ordem: pra frente pra trás pra frente pra trás!

Um pé, depois o outro, sempre, até chegar em casa e pisar descalça no chão gelado.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

grandes merdas

liricozinho

a dor e a delícia de ser.

o que é o que se é?

inter
rog
a
ção

sábado, 14 de maio de 2011

coluna direita

Na urgência da atualização. Indescritível.

inverno (ou "numa hora dessas...")






Beber do copo Sorver segredos. Sibilo.
A letra na revista denúncia de passagem Registro.
 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

E quando enquanto, e quanto?

Essa coisa de que o tempo ensina é tão verdade quanto mentira. Passa o tempo e a gente entende porque acostuma, acaba por aceitar o que nos é inevitável. Nunca se sabe quando parar, quando tentar de novo, quando abraçar o mundo, como cruzar as linhas de chegada. Essa coisa de esperar é balela; o tempo caga pra todo mundo, a vida é que se faz em função dele. E as interrogações, e os medos, e os sustos. As mortes. Surpresas estranhas depois de mergulhos em águas cristalinas de lugares onde o celular não pega. As emoções não são assim tão enormes como a gente vê na televisão. A vida engana a gente, a gente cai feito pato e acha que perdeu. A verdade, eu acho, é que as coisas são pequenas, bobas, silly things! Esse olho grande que nos ensinam a ter, ah, esse sim faz merda. Ilude que o mundo é azul, as nuvens são passageiras e que rola um treco que chama bonança depois da velha e conhecida tempestade. A bonança que ninguém viu, que geral desconhece. A filosofia que tava certa e perguntava sem responder. Porque é o que a gente faz o tempo todo, enquanto insiste em negritar a tempestade, passando batido o olhar na bonança, com aquela leitura dinâmica de merda que costuma-se ter do dia comum. O tempo continua cagando pra nós e pros nossos cursos de gerenciamento, de otimização e de controle. Não tem curso, não tem freio, não tem escola. Tem tempo, enquanto houver criança, enquanto houver passarinho.