quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Dor alheia.

Fabiana estava cansada. Ontem o dia foi difícil, trabalhar doía e a cada "bom dia" pelos corredores, o desejo era o de matar um a um com sua caneta bic.

Na hora do almoço, o chefe pediu que ela levasse o cliente que visitava a empresa àquele restaurante mais bonitinho, pois ele estaria absorto em uma videconferência em seu escritório. Fabiana sabia que era mentira: o cliente era chato, o restaurante era cheio e caro e o chefe trepava com a estagiária quando todos saíam para almoçar. Olhou para a caneta bic e em seguida, para a jugular do chefe. Melhor não, vai que eu erro..., pensou ela.

O cliente chato nem titubeou na hora da conta e deixou que ela se encarregasse da comanda dele. Fabiana passou o cartão e números vermelhos pulavam em tamanho monstro dentro de sua cabeça. Reembolso, Fabiana? Isso faz parte do seu trabalho, afinal de contas, o seu emprego depende também deste homem, não é?, respondeu o chefe, depois do pedido de reembolso da refeição de 25 reais daquele cliente gordo e mal educado. Ei, seu puto! Sua braguilha está aberta e sua calça está com um pingo, Fabiana disse por dentro. Mas só por dentro.

Ao se servir de cafezinho, o copinho de plástico escorregou de sua mão e o banho de café quente não foi para ela a pior parte do dia.

Jantar da mamãe hoje... tomaria mais dois banhos de cafezinho e levaria mais uma vez o cliente balofo para almoçar para não precisar estar em família hoje.

Fabiana é a filha solteira, feinha, meio desastrada, não muito inteligente e tinha muita acne. Ainda que soubesse de tudo isso, sua mãe insistia em repetir a cada encontro que ela precisava dar um jeito em sua vida.

Saiu do escritório e parou no salão de beleza próximo a sua casa para fazer as unhas e - por que não? - uma escova. Os números vermelhos saltaram em sua cabeça mais uma vez, só que em tamanho um pouco menor. O que é um pum, para quem já está cagada?

Sentada de frente para a manicure ela via como era bonita a mulher que fazia suas unhas. Loira, cabelos enrolados, um olho azul enorme, pele branca... Você é a cara da Nicole Kidman! Quem é Nicole Kidan? É aquela da novela das surfistas? Não, essa é a Carolina Dickman. Ah tá! Ela é linda, brigada. Fabiana achou melhor não explicar. A moça gostou, que bom. Quem sabe ela não deixa de cobrar o extra da francesinha?

Ao remover a cutícula do dedo anelar esquerdo, Nicole Dickman, a manicure, deixou que o alicate escapulisse e, num golpe rápido, mínimo e doloridíssimo, um pedacinho da pele de Fabiana foi embora, deixando uma pontinha de sangue em seu dedo. Desculpa!Sem problemas, acontece, querida. Deixa eu te perguntar: você podia ver se tem alguém livre pra fazer uma escova em mim? Tá, a senhora espera um segundinho só? Espero sim. Já volto, vou lá perguntar. --- Olha, tem não, tá todo mundo ocupado. Puxa... Ok, brigada... eu deveria ter marcado com mais antecedência. É, dia de quinta feira isso aqui fica um sufoco! Tem mulher saindo até pelo ladrão! Mas a senhora tá linda, a senhora tem um rosto muito bonito, não precisa se preocupar com o cabelo.

Aí Fabiana não aguentou. Filha da puta mentirosa, essa manicure. E chorou como nunca. Chorou em silêncio, não respondia o que tinha acontecido, ainda que a manicure perguntasse se tinha sido a dor do bife arrancado, ou a escova que ela não fez. Fabiana só conseguia chorar e seu rosto vermelho e oleoso chamava a atenção de todo o salão, ainda que ela não emitisse nenhum som. Ela tá chorando. Quem? Ela ali, ó, aquela mulher meio "maljambrada". Gente, como chora aquela mulher que tá fazendo unha ali...

Até que o assistente de um dos cabelereiros puxou seu banquinho e sentou ao lado dela, oferecendo um copo d'água. Passou o braço por suas costas e segurou seu ombro com força. Sem perguntar o que tinha acontecido, ele se ofereceu para ajudar e para conversar se ela quisesse. Ela chorou um pouco mais, pois sabia que esse teria sido a melhor parte do seu dia.

3 comentários:

Bia Prado disse...

Lindo, Kerol...
bjs,

Letícia disse...

Pobre Fabi!
:(

Simone Couto disse...

Carol,

como sempre, amo teus textos. São tão vívidos, que ouço as vozes das personagens.

Parabéns, mais uma vez.

Bj,
Si