terça-feira, 28 de outubro de 2008

Fatias

Buscou lá no fundo uma excalamação que tomasse o lugar daquele monte de perguntas que tumultuavam a sua mente. Rasgou algumas cartas antigas que já não diziam mais nada e deu algumas roupas que não lhe serviam.

[FLASHBACK]
...primeiro e último dia, roupas todas no chão, tapa na alma para depois guardar como se estivesse tudo arrumado, em ordem...
[FIM DO FLASHBACK]

Mexia os dedos do pé, antes de abrir os olhos e fitar o homem que dormia ao seu lado - ele dobrava a boca num modo único e engraçado. Lindo, também. Abrir os olhos para a vida que, há muito, lhe jogava enigmas dignos da esfinge, parecia uma brincadeira de mal gosto a qual era obrigada a se submeter. Mas precisava se orgulhar disso, também. Olhou para o lado e sorriu lá dentro, com todo o corpo, por estar ali. Só por isso. Tentar dormir novamente seria inútil agora e ela sabia disso. O melhor seria ler seu livro lá fora, se a porta não estivesse trancada.

[FLASHBACK]
No karaokê do restaurante furreca da Buenos Aires, o home de roupa social expulsava suas inquietações cantando Elvis, em alto e bom som.
[FIM DO FLASHBACK]

Lembrou da alegria de sua sobrinha, quando descobriu que é possível comprar uma torta inteira: pode ser sem ser só fatia, mãe??? - Como podem ser tão incríveis para uns, aquilo que esbanja obviedade para outros?

Na sala de jantar, o barulho era constragedor e as mulheres não entendiam o que a anfitriã tentava dizer. Horrores da comunicação, balbuciou seu cunhado, que sempre estava nos eventos sociais, ainda que a contragosto.

Tomou um comprimido enquanto fumava, já na cama, o último cigarro do dia. A cabeça estava explodindo e amanhã estava cheio de céu e chão para ela respirar.

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