domingo, 2 de maio de 2010

Sem Antonio

Eu estava ficando velha. Já não sofria mais por amor.

Quando Antonio disse, n'aquela tarde, que não voltaria mais, não parecia que meus braços estavam caindo e que um rato comia meu estômago. Eu chorei uma tristeza calma, desolada, uma dor consciente de sua efemeridade. Eu ainda precisava tirar as roupas do varal e tomar rápido o café, pois, apesar de ser sábado, eu tinha, à tarde, duas aulas para dar.

E já tinham se passado 24 horas desde o nosso último contato. Enquanto eu manobrava o carro na garagem, lembrava da nossa última noite.Deu saudade e eu chorei de novo, mais um pouco.

Era primeiro dia de aula; eu estaria ocupada demais e o espaço de Antonio já não era tão grande. Eu podia viver sem ele e gostei de estar ficando velha. Talvez eu fosse alguém a quem ninguém fosse abraçar permanentemente para a vida. E aí sim, virar uma velha sem noção, aos 70, meio surda, meio bêbada, viciada em buraco e sueca, amiga de flanelinhas, quem sabe até com um filho meio desnorteado que preferiu morar com o pai, ainda que eu tivesse reservado na minha casa um quarto para ele dormir quando me visitava, semanalmente.

O Antonio não me daria filhos. Acho que o Antonio nunca deu nada pra mim. Digo, em longo prazo. Ele dava sensações pontuais, prazer por si só. Para o longo prazo, restavam apenas as lembranças, que ainda estavam pontiagudas, espetando no estômago. A velha aqui, no entanto, já entendeu que essa não é a pior dor. Já fui a enterros mais tristes. certamente.

Sábado é um bom dia para se dirigir; o trânsito é livre e as pessoas agem como se estivessem sem compromisso de horário. Melhor: eu ajo como se assim fosse, ainda que o que correspondesse a minha realidade era o fato de ter 20 minutos para chegar até a universidade.

Meu nome é Branca, estou beirando a idade que faz vislumbrar as próximas, pela primeira vez. Percebo o quanto o meu sentir vem mudando.

O fim de semana pegou carona com uma vespa e quando dei por mim, já estava cumprindo a deliciosa obrigação social do chopp de domingo com 2 ou 3 amigos que me ajudam com a (boa) displicência a passar por mais esse término afetivo. "Mais esse" - e eu digo em relação a minha vida e em relação às passagens de Antonio por ela.

Nem sempre é significativo, mas é importante dizer que sou a última solteira do meu grupo de amigos. Muitas vezes, esse fato (ou a ausência de um fato mais importante) me caracteriza no grupo: ando sozinha há anos, ainda que os amigos insistissem, há anos atrás, que alguém legal apareceria e que quando menos esperasse, estaríamos juntando os trapinhos. (Ainda bem que todas elas seguiram caminhos profissionais não místicos; uma tenda de vidente não as levaria ao sucesso.)

Solteira já tinha passado do meu estado civil para algo que me qualificava como aquela que eu sou. E eu tinha aprendido a ser essa mulher que muitas vezes fazia seu público jurar que tinha optado, por prazer, pela solidão, Público sim. Eu atuo, na maioria das vezes. tranco-me numa esquisofrenia de um mundo complexo e íntimo e finjo - para poder conviver - que tal mundo não existe.

A segunda feira já tinha chegado e estava prestes a se despedir de mim: 21:00 - essa era a chocante informação que meu celular fornecia.

Fiquei feliz: tinha sobrevivido ao terceiro dia sem Antonio.

4 comentários:

Anônimo disse...

Que delícia de texto! Eu queria, assim como a personagem, não sofrer mais tão profundamente por causa de um amor perdido. Seria tudo tão mais fácil...

;)

Aureliano Mailer disse...

Show!

Letícia disse...

Branca é da raça da pedra dura.

Deveraneios disse...

A cada dia, surpreendo-me mais um pouco com a qualidade de seus textos. Ai, ai, você é dez, menina!