sábado, 10 de novembro de 2007

Gente é algo muito estranho.

Entrei no 438 e, como de costume, fui correndo sentar na janela da ala direita. Duas meninas conversavam no banco atrás de mim.
- Nossa, olha ele!
- Não disse? Ele tá sempre nesse ponto, mas por que ele não vai entrar no ônibus?
- Vem gatinho, vem... entra aqui, tá na hora de você ir pra casa.
- Lá pra casa, né!
(Gargalhadas)

O ônibus arrancou, rumo ao mergulhão. E parece que as duas mudaram de assunto - ou apenas retomavam a conversa interrompida pela aparição do rapaz que estava no mesmo ponto que eu.

- Olha, amiga. Você sabe que eu considero todos da sua casa como minha família. A sua mãe pra mim é minha tia. Você pra mim é minha prima. Não digo irmã, porque aí eu acho exagero. Mas são da minha família. Mesmo.

- É, eu também.

- Mas eu preciso te falar. Adoro a tia Arlete, sua mãe é uma fofa, já disse, é uma tia pra mim. Mas a sua mãe é uma fraca. Ela é uma fraca e te dá muitos maus exemplos nesse sentido.

(Fez silêncio no ônibus e eu desisti de fingir que estava lendo o livro que segurava. Precisava ver onde isso ia parar.)

- Você diz emocionalmente, né?

- É, emocionalmente!

- É, isso ela é sim.

- Por exemplo, ela ainda não digeriu a morte do Sérgio! O Sérgio morreu em 2000 e a gente tá em 2007!

- Ah, mas ela tá bem melhor agora.

- Não tá não. Ainda guarda todos os cds do Renato Russo porque ele gostava e não pode ouví-los para não chorar. Cara, morreu, acabou! Não pode. A sua mãe não levanta e você é igualzinha!

- Ah, também não é assim, foi foda a morte do Sérgio...

- Mas já foi. Ela não morreu, ela tá viva. E eu sei que você vai ficar assim quando alguém da sua família morrer.

- Isola!

- Olhaí! Tá vendo? Já sei que quando me falarem: a tia Arlete morreu eu vou falar: já providenciaram o enterro da Gabriela? Porque você vai se suicidar!Ai, eu já sei que vou ter que te esbofetear tanto quando a sua mãe morrer...

- Por que?

- Porque você vai dar escândalo, vai ficar gritando "Por que! Por que!" "Ela não podia ter morrido!"

(Gente, eu preciso ver a cara dessas pessoas. Mexo no cabelo tentando dar uma viradinha de leve e tentar avistar os semblantes, mas não rola.)

- Hahaha.

- É mesmo! Olha, graças a Deus que a minha mãe me criou pra vida, e não pra ela. Sempre pude ir a todos os lugares que quis. Ela sempre me deixou cair sozinha. Sempre esteve por perto para me ajudar a levantar. Mas antes falava: tenta sozinha, filha. Levanta sozinha. Agora, quando eu vi aquele piti que você e a tia Arlete fizeram por causa de uma espinha de peixe, eu não acreditei!!! Você quase chorou!!!

- Ah, mas foi foda aquela espinha!

- Olhaí! Tá vendo? A sua referência é a sua mãe que é uma fraca, você não pode ser igual a ela, Gabriela! Eu tenho até medo de que o seu pai ache que eu sou uma enxerida.

- Que nada, minha família toda te adora.

- Eu não saio mais da sua casa!!!

- Imagina. Sabe porque eles não acham? Senão minha mãe já tinha me falado alguma coisa.

- Eu tenho vergonha é do Alan. Outro dia ele atendeu o telefone e eu nem falei com ele, só perguntei a Gabriela está? Ele até brincou comigo, mas cara, que engraçado, morro de vergonha do Alan.

- Você é a amiga que meus pais mais gostaram até hoje.

- Gente, que vergonha do Alan!

(eu cá comigo: a amiga louca tá doida pra dar pro Alan)

- Minha mãe sempre fica tranqüila quando eu digo que vou sair com você.

- É por que ela já viu. Já viu que eu tenho ju-í-zo!

- Mas eu acho que a sua mãe também gosta de mim, né? A gente ficou amiga em tão pouco tempo, né?

- Você não pode ser fraca. Ai, a gente ainda não tá de férias, né. Já ia perguntar se você ia lá pra casa agora.

- Ah, mas daqui a pouco a gente tá de férias. Mas é sério, minha família te adora.

- Cara, eu só tenho vergonha do Alan. Ih, vamos levantando porque senão a gente não chega na porta a tempo. O ônibus lotou!

- Bora.

Botei a cara fora da janela para enfim conhecer as figuras.

O ônibus é um mundo.

E o mundo é um circo.

8 comentários:

Letícia disse...

Logo o ônibus é um circo!
Maravilhoso, Carol!

Unknown disse...

Carol, vc devia escrever Crônicas de ônibus,
realmente tem de um TUDO.
E ela realmente dá querendo mundo oferecer a xibiu para o Alan.

Anônimo disse...

A tal quer dar pro Alan enquanto afirma q todas as mulheres da vida dele são fracas emocionalmente. Perfeitas personagens de Nelson Rodrigues... hehehe. Bjks.

Anônimo disse...

Tudo acontece dentro de um ônibus. Ainda mais nesse aí... malditos vermelhinhos!
amei seu texto.
Todos. O de cima também, contando os sonhos. Eu tenho uma imensa dificuldade de descrever sonhos. Bem, vc acha que seus sonhos tem algo de Buñel é pq ele tb sabia relatar (e filmar) os sonhos.
=]

Anônimo disse...

serio, genial.

clara disse...

AHAHAHAHAHAHAHAHA, cara, muitooooo bom.....que figuras....
outro dia estava andando na praia e escutei um trio de homens paulistas falando sobre as suas mulheres...hilario..so que nao sei se eu sei escrever sobre...vou ver se te conto..quem sabe vc escreve pra mim...
ameiiiii
beijosssss e saudades

Expedito Paz disse...

Pô, muito bom!

Anônimo disse...

Oi Carol,
Adorei seu blog!
Realmente, a única coisa boa de andar de ônibus é cruzar com essas figuras pelo caminho que dão uma boa história!
Volto mais vezes.
Bj
Ana Carol