segunda-feira, 17 de março de 2008

Meu Madame Satã.

Ele entrou pela porta de saída, assim como fazem todos aqueles permitidos pelos condutores, a vender seus produtos aos passageiros de ônibus. Senhores passageiros, bom dia. Primeiramente, desculpe incomodar o silêncio de sua viagem. – teria um curso de oratória para abordagem de ambulantes de ônibus?

Geralmente são apenas voz. Uma espécie de trilha sonora para quem precisa, diariamente, tripular os coletivos cariocas – e que iria à falência se resolvesse comprar todos os produtos oferecidos de segunda à sexta. Mas isso é outro post.

Tem quem apenas peça, pois perdeu a perna e não consegue emprego. Tem também quem ofereça lápis, caneta, cortador de legumes, barras de cereais, chocolate, bala, chiclete, amendoim... e eles entram sem causar nenhum impacto; ninguém interrompe uma conversa ou tira o fone do ouvido para ouvi-los e balança a cabeça em sinal de atenção. Acho que sou a única.

Eu paro de ler, olho para eles, sorrio, dou bom dia, digo não obrigada ou me vê duas de caramelo.

E foi por isso que eu, na sexta feira fiz questão de comprar duas canetas por um real. Porque eu percebi que o vendedor tinha as mãos finas, limpas e feitas com esmalte perolado, unhas longas e cutiladas enfeitando os dedos que seguravam e apontavam com orgulho as canetas e marca textos, muito mais baratos do que nas lojas americanas e papelarias da cidade. Fui subindo o olhar e aquele cara tinha a sobrancelha mais perfeita do mundo e a pele mais feminina que eu já vi. Todo o cotidiano desse homem veio à minha cabeça e tenho certeza que faz shows em casas decadentes de Copacabana ou da Praça Mauá. Nos dias de casa fechada, o meu Madame Satã ganha a vida noturna nas calçadas da Glória ou do Lavradio. Ele tinha cara de cansado e estava certamente com pressa. Afinal de contas, era sexta-feira: dia seguinte de labuta noturna, além de ser o dia oficial de lucros maiores. A unha já estava feita.

- Quero duas canetas por um real, moço.

- Obrigada, fique com Deus.

- O senhor também.

Meu Madame Satã desceu do ônibus e correu até a frente oferecendo canetas ao cobrador e ao motoristas. Essas últimas, de graça. Entrou no ônibus da frente.

As canetas ainda estão com carga e são perfumadas, mas isso foi o que menos importou na compra.

Adoro inventar vida pras pessoas.

5 comentários:

abobrinha refogada disse...

.

Y E E E E S !

pro seu post.

Unknown disse...

Carol,
eu sempre faço isso, imagino a vida das pessoas no people watching. Já nasci com MaryJane natural na cabeça.

Letícia disse...

Uma história pelas mãos...

Acho que serei capaz de reconhecê-lo quando subir no meu ônibus.

Anônimo disse...

otimo post
que bom que vc voltou

Juliana disse...

Eu não consigo ignorar ninguém. E quando ignoro, faço de propósito. Geralmente porque a pessoa me deixa brava. Como aqueles moços que se dizem 'doutores da alegria' com jalecão sujo.
Just in case.