Eu estava ficando velha. Já não sofria mais por amor.
Quando Antonio disse, n'aquela tarde, que não voltaria mais, não parecia que meus braços estavam caindo e que um rato comia meu estômago. Eu chorei uma tristeza calma, desolada, uma dor consciente de sua efemeridade. Eu ainda precisava tirar as roupas do varal e tomar rápido o café, pois, apesar de ser sábado, eu tinha, à tarde, duas aulas para dar.
E já tinham se passado 24 horas desde o nosso último contato. Enquanto eu manobrava o carro na garagem, lembrava da nossa última noite.Deu saudade e eu chorei de novo, mais um pouco.
Era primeiro dia de aula; eu estaria ocupada demais e o espaço de Antonio já não era tão grande. Eu podia viver sem ele e gostei de estar ficando velha. Talvez eu fosse alguém a quem ninguém fosse abraçar permanentemente para a vida. E aí sim, virar uma velha sem noção, aos 70, meio surda, meio bêbada, viciada em buraco e sueca, amiga de flanelinhas, quem sabe até com um filho meio desnorteado que preferiu morar com o pai, ainda que eu tivesse reservado na minha casa um quarto para ele dormir quando me visitava, semanalmente.
O Antonio não me daria filhos. Acho que o Antonio nunca deu nada pra mim. Digo, em longo prazo. Ele dava sensações pontuais, prazer por si só. Para o longo prazo, restavam apenas as lembranças, que ainda estavam pontiagudas, espetando no estômago. A velha aqui, no entanto, já entendeu que essa não é a pior dor. Já fui a enterros mais tristes. certamente.
Sábado é um bom dia para se dirigir; o trânsito é livre e as pessoas agem como se estivessem sem compromisso de horário. Melhor: eu ajo como se assim fosse, ainda que o que correspondesse a minha realidade era o fato de ter 20 minutos para chegar até a universidade.
Meu nome é Branca, estou beirando a idade que faz vislumbrar as próximas, pela primeira vez. Percebo o quanto o meu sentir vem mudando.
O fim de semana pegou carona com uma vespa e quando dei por mim, já estava cumprindo a deliciosa obrigação social do chopp de domingo com 2 ou 3 amigos que me ajudam com a (boa) displicência a passar por mais esse término afetivo. "Mais esse" - e eu digo em relação a minha vida e em relação às passagens de Antonio por ela.
Nem sempre é significativo, mas é importante dizer que sou a última solteira do meu grupo de amigos. Muitas vezes, esse fato (ou a ausência de um fato mais importante) me caracteriza no grupo: ando sozinha há anos, ainda que os amigos insistissem, há anos atrás, que alguém legal apareceria e que quando menos esperasse, estaríamos juntando os trapinhos. (Ainda bem que todas elas seguiram caminhos profissionais não místicos; uma tenda de vidente não as levaria ao sucesso.)
Solteira já tinha passado do meu estado civil para algo que me qualificava como aquela que eu sou. E eu tinha aprendido a ser essa mulher que muitas vezes fazia seu público jurar que tinha optado, por prazer, pela solidão, Público sim. Eu atuo, na maioria das vezes. tranco-me numa esquisofrenia de um mundo complexo e íntimo e finjo - para poder conviver - que tal mundo não existe.
A segunda feira já tinha chegado e estava prestes a se despedir de mim: 21:00 - essa era a chocante informação que meu celular fornecia.
Fiquei feliz: tinha sobrevivido ao terceiro dia sem Antonio.
domingo, 2 de maio de 2010
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4 comentários:
Que delícia de texto! Eu queria, assim como a personagem, não sofrer mais tão profundamente por causa de um amor perdido. Seria tudo tão mais fácil...
;)
Show!
Branca é da raça da pedra dura.
A cada dia, surpreendo-me mais um pouco com a qualidade de seus textos. Ai, ai, você é dez, menina!
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